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Politicas educacionais na imprensa

14 de jul. de 2016

A DIMENSÃO EDUCATIVA DA GREVE/OCUPAÇÃO E A PRÁTICA DOCENTE

A DIMENSÃO EDUCATIVA DA GREVE/OCUPAÇÃO E A PRÁTICA DOCENTE

Ivan Hanauer 1
Laís de Oliveira 2



O objetivo do nosso trabalho é buscar e analisar notícias e artigos que representem a visão da mídia em relação à imagem do professor durante as greves e/ou ocupações tanto na educação básica quanto no ensino superior. Especificamente, objetivamos mostrar como os meios de informação tratam a postura do profissional de educação nesse contexto.
A partir de uma pesquisa no jornal O Globo online, com as seguintes palavras-chave: “professor”, “aula”, “greve” e “ocupação”, buscamos dados que, a partir desse recorte, evidenciassem o trato da mídia sobre a prática docente durante as greves e ocupações, ou seja, durante a ausência das aulas regulares e oficiais, com a finalidade de se concluir como esta prática é considerada (ou não considerada). Escolhemos o jornal O Globo pela sua referência e relevância na formação de opinião, portanto, pensamo-la como representativa da grande mídia.
Na diversidade dos títulos das matérias que constitui o corpus encontrado, observa-se o trato técnico e burocrático sobre o ensino, focalizando, a partir do plano de fundo de greve e/ou ocupação, somente preocupações quanto à continuação ou o término destes, ou, ainda, sobre o fato de haver ou não aula. A observação fica evidente com os seguintes trechos:

Membros do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro(Sepe) e professores participam de uma reunião na manhã desta quinta-feira (2), onde vão decidir se a greve vai continuar ou não. (GLOBO, 02/06/2016)
De acordo com o professor de história José Eduardo Mariani, nenhum professor que não está em greve foi ao colégio nesta quinta. "No caso aqui da nossa escola, 80% dos professores estão em greve. Então, mesmo que não viesse professor não-grevista aqui, hoje, só 20% iria dar aula", afirmou. (GLOBO, 02/06/2016)

A concepção de “aula” é a que se referem é o encontro formal que segue uma certa lógica temática dentro de um espaço e tempo delimitados, e dentro de uma dada conjuntura de status quo. Qualquer adversidade que fira essa conjuntura já põe em jogo a existência de uma “aula”, ainda que se possa observar práticas educativas fora desse formato conservador ­– inovação que pode ser até mais impactante e produzir com mais rigor o senso crítico nos estudantes.
Dentre os oito artigos resultantes da pesquisa, nenhum ocupou-se ou interessou-se sobre a função do professor como educador fora de sala de aula e de sua prática profissional, tendo em vista a mobilização comum destes durante as greves e ocupações, realizando encontros, debates, “aulões”, ou até mesmo em orientações informais. A mídia (representada, nesta pesquisa, pelo jornal O Globo) focaliza somente a dimensão técnica do professor, enquanto regente de aulas regulares destinadas a funções específicas: dar todo um conteúdo pré-definido para exames, como vestibulares, ou para a qualificação para o mercado de trabalho. Weber (2003) apresentou uma justificativa para essa concepção limitada da função de um professor:

Essa visão profissionalizante da docência, com predomínio do seu caráter tecnicista e instrumental, em um contexto no qual se consolidava a compreensão da importância da educação escolar para a construção da democracia e ganhava relevo o papel do professor, como educador, na oferta de uma escolarização de qualidade, tornou-se um obstáculo considerável para o debate a respeito da profissionalização da atividade de ensino no país”. (WEBER: 1131)

Como se pode observar, essa concepção, de um certo modo, limita a prática da profissão, sendo que para ser professor é preciso ter consciência da necessidade de abordar não somente conteúdos disciplinares e sim promover o desenvolvimento da consciência crítica dos alunos, ajudá-los a se reconhecerem como cidadãos e a terem ciência da sociedade ao seu redor.
Observamos também que evidencia-se somente seu papel burocrático na luta pela continuação ou extinção da greve ou do movimento/ocupação. Quando é citada alguma atividade durante a greve, esta segue os moldes dos conteúdos das aulas regulares:

Durante o período de greve e ocupação, os professores grevistas fazem oficinas para as provas do Enem com os estudantes para eles não se prejudicarem no vestibular [...].(GLOBO, 02/06/2016)

Ou ainda:

Durante a ocupação, que já dura algumas semanas, alunos do movimento afirmaram que durante a paralisação, ocorreram “aulas no estilo ocupação”, onde os alunos, esporadicamente, recebiam conteúdo de determinada disciplina por algum professor. (GLOBO, 02/06/2016)

Alguns outros indícios nos próprios artigos e notícias evidenciam a existência de atividades alternativas e mediações dos professores durante a greve/ocupação, mas não desenvolve-se qualquer trato aprofundado que legitime, de alguma maneira, essa prática educativa, pois limitam-se à descrição do fato sem situar a importância da prática docente durante esses momentos:

Professores da escola ligados ao Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (Sepe) orientavam os alunos para que evitassem confusão e sujeira no colégio. Comissões formadas pelos manifestantes se organizavam para promover aulas e atividades culturais, limpeza e alimentação (...) (GLOBO, 23/03/2016)


O mais próximo que chegou-se a uma reflexão crítica sobre a relevância político-social da greve ou das ocupações — um artigo intitulado Quais partidos nascerão desses jovens que ocupam escolas? — não considerou o papel fundamental do professor como educador e mediador de um momento formador de protagonismos dos jovens, limitou-se a situar a importância e centralidade do assunto:

A ocupação das escolas e a greve dos professores deveriam ser a principal pauta da cidade, mas vivemos o folhetim do impeachment e simplesmente ignoramos outros fatos decisivos de nosso futuro. (GLOBO, 3/04/2016)

Diante das observações elencadas, podemos depreender que o não tratamento do posicionamento político-social do professor em sua prática pedagógica fora de sua função técnica, nos revela, nas entrelinhas, certo desdém em relação ao papel da educação como formadora de cidadãos conscientes de suas realidades sociais. Ou até mesmo um abafamento da força político-social de um profissional da educação.




Referências


WEBER, S. PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE E POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL. Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1125-1154, dezembro 2003.Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br/>
Matérias investigadas






















1 – Graduando de Letras – Português-Literaturas na Universidade Federal do Rio de Janeiro
2 - Graduanda de Letras – Português-Literaturas na Universidade Federal do Rio de Janeiro




DATA DE CONCLUSÃO: 14/07/2016